03/02/2010

Amanhã deixarei uma rosa sobre teu peito!



A manhã deixarei uma rosa sobre teu peito!


Amanhã passarei ao pé de ti,
E deixarei uma rosa branca no teu peito…

Amanhã triste, triste caminharei até ti!
Deixarei o tempo parado sobre o relógio velho
Guardarei as fotografias na gaveta,
Usarei o perfume que me deste
(A existência, a existência!)
Irei vestir a camisola preta
Que deixei guardada por ti.

Irei a sorrir para junto de ti
De olhar turvo em lágrimas…
Na minha mão ferida e em sangue trarei uma rosa,
A rosa será branca como a esperança…
A que foste no dia em que me deste os teus lábios
Em que apertas-te contra o teu peito a minha mão
Em que me olhaste nos olhos e me disseste:
“Infinito seja o tempo neste dia;
Infinito como o amor que hoje te dou…”

Irei de encontro ao teu corpo por ti!
Irei e caminharei ao teu lado…
Suspiro de aragens,
Vento do abanar das folhas
Sombra sem razão de existir…
E a rosa em minha mão
Baterá a cada passo nosso
Como um coração…

E então com meus olhos eu verei a eterna verdade
Teu corpo pálido sobre a pedra fria jazendo
Então ficarei também eu frio novamente,
Como o era antes de ti!
Então nu de mim novamente,
Deixarei sobre teu peito a rosa branca;
Ou a esperança que tinhas e eras em mim…

O vento (ou o teu sussurro)
Pouco a pouco,
Triste tristemente cada pétala levará…
E então o bater batendo cessará…
E o vento, lenta lentamente me trespassará…
Do céu a chuva caindo cairá
E então para o céu olharás…
E minha alma em paz descansará…

01/02/2010

Hoje morreu um poeta!

Hoje morreu um poeta!
Mais um…
O óbito sucedeu-se pelas cinco horas e vinte e cinco minutos da manhã da passada sexta-feira. O poeta entrou nas urgências do hospital Das Dores por volta da uma da manhã, segundo os testemunhos prestados pelas pessoas que se encontravam no local na altura em que este entrou.
Também segundo as mesmas testemunhas, conseguimos saber que o dito poeta não apresentava qualquer sintoma de uma possível doença grave; segundo os mesmos, este entrou pelo seu próprio pé nas urgências e dirigiu-se ao balcão da recepção. Tentámos obter o depoimento da recepcionista presente na altura, mas esta não quis fazer qualquer tipo de declaração.

“Perguntei-lhe se estava bem. Ao qual eu respondeu afirmando que tudo se encontrava bem. Falou numa voz calma e serena; a única coisa que notei estranha nele foi o olhar. Parecia meio distante e triste. Ainda insisti e disse-lhe que tinha um olhar muito triste, Ele respondeu que era poeta, e então eu percebi tudo e não insisti mais...” Este foi o depoimento de uma testemunha que chegou a falar com o poeta antes de este entrar nos cuidados intensivos do hospital, onde permaneceu cerca de uma hora e trinta minutos.
Segundo o que conseguimos apurar através de um comunicado pela parte da direcção do hospital o poeta morreu devido a razões desconhecidas. Pedimos esclarecimentos ao médico que acompanhou o caso e este afirmou o seguinte: “Não sabemos ao certo de que é que morreu o poeta. Depois de termos levado o escritor para a sala de cuidados intensivos, através de exames conseguimos descobrir que este sofria de solidão tipo C. Sendo a mais grave das solidões, levámos imediatamente o paciente para a sala de operações para ser submetido a cirurgia de quadras, mas já sem sucesso. Ainda o ligámos à máquina de escrita assistida e mantivemo-lo durante toda a operação a soro de sonhos; mas mesmo assim não obtivemos qualquer melhora. Resultando no triste óbito do trovador…”
Já depois de confirmado o óbito, na morgue ainda foi detectado na garganta do escritor, cancro do esquecimento num estado bastante já bastante avançado, que poderá ter sido, também, a causa da sua morte. Tendo acesso aos exames do poeta, generosamente fornecidos para investigação pelo hospital, conseguimos averiguar que o poeta detinha ainda no sangue ilusões; e que estas o impediam de presenciar e viver o real.

A Direcção do hospital numa comunicação oficial à impressa exclamou o seguinte: “Hoje morreu mais um poeta! Infelizmente foi neste nosso já de si triste país. Pedimos a todos os leitores de livros que demonstrem o seu luto neste dia em que morreu este poeta!”
E assim foi hoje de manhã, em Lisboa, cidade deste e outros poetas, as pessoas saíram para a rua de negro e tristes…

Apenas uma pessoa estava de luto, vestia branco e andava feliz…
O verdadeiro e único leitor do poeta!

Já fui em outros tempos Fernando Pessoa…




Já fui em outros tempos,
Outras vidas;
Outros rostos;
Outros espaços…
Já fui milhares de eu’s!

Já fui Fernado Pessoa;
Com uma só razão.
E Edgar Poe;
E escrevi o corvo com uma só solidão.
Acho que já fui Luís de Camões;
E escrevi Lusiadas com um só olho de visão...

Hoje não sou ninguém!
Só em então descobri finalmente;
Que nunca cheguei a ser eu próprio!...

Suicídio Cobarde

É tempo de ir.
De deixar os mundos…
Deixar para trás um legado;
Uma lágrima no rosto de alguém.
Um eterno pedido de desculpa…

A noite é presságio
O dia é inexistente luz…
O vago é mais um espaço feito de tudo…
Cheio de nada!
Assim me rodeei do mundo;
De métricas e espaços concretos;
De alquimias e sonhos sem rosto;
Eternas descobertas num simples gesto.
O sorriso que por vezes faltava!
A eterna pequena palavra
De grande significado:
Amor!

Procurar-te-ei em outros tempos
Em outros espaços
Em outras ciências
Em outras descobertas e outros gestos
Em outros eu’s nos mesmos sonhos de rosto apagado.
Ontem fui o eu de ontem;
Hoje sou o eu de hoje;
Amanhã serei o eu de depois;
E então serei o eu de sempre,
De todos os dias!
Eu.

Hoje és sonho
Amanhã de sonho não passarás!

Os anos passarão!
O pó virá cobrir o tempo,
Silenciosamente entre preces proferido,
(Quem as proferirá a quem? Para quem?)
Será segredo!
Apenas as paredes da surdez o ouvirão…
Ouvirão o silêncio!
O rosto apagado de alguém sem eu!

O suicídio assim se fez;
Proferido em silêncio a uma alquimia sem sonho.
O segredo de um rosto apagado
Sem espaço e sem tempo…
Morto!
Morto pela palavra de um simples gesto de amor
O pó dos mundos.
O pó do olhar da questão
(Qual é o sentido de viver?)
Assim se calou.
No silêncio
Na métrica sem rosto dessa Alquimia de significados.
(Alquimia do sonho perdido!
Dirão os estudiosos do cadáver.)

Procurar-te-ei sempre…
No eu de ontem
No de hoje,
No eu de sempre…
Mas tu só virás amanhã!
Apenas amanhã!
Descobrir o meu rosto apagado.

O meu rosto de um suicídio cobarde…