"Com uma tal falta de literatura, como há hoje, que pode um homem génio fazer se não converter-se, ele só, em uma literatura? Com uma tal falta de gente coexistível, como há hoje, que pode um homem de sensibilidade fazer se não inventar os seus amigos, ou, quanto menos, os seus companheiros de espírito?" - Fernando António Nogueira Pessoa
15/05/2010
Era uma vez um monstro que amou uma boneca de trapos...
Era uma vez um monstro disfarçado.
Fingia, o pobre! Que era príncipe encantado…
Correu, correu pelo pátio enfeitiçado
O feio monstro que estava amaldiçoado.
Correu o monstro que era feito de giz
Procurando a princesa iluminada.
Procurou pensando em ser feliz
Ao encontrar a princesa ainda nem desenhada…
Passou ele por mundos em segredo
Sempre correndo e já desesperando;
Até que finalmente subiu a um rochedo
E encontrou a esperança que estava faltando.
Ficou então o monstro logo muito contente
Ao encontrar o grande castelo.
“Lá haverá certamente princesa e gente,
Para amar este príncipe que é tão belo!”
Aos portões do castelo ele parou
E bem alto, gritando exclamou:
“− Venham ver este príncipe que agora aqui chegou,
Tão belo! Mas que nunca ninguém amou...”
Mas no castelo o silêncio reinou;
Nada, nem ninguém respondia…
Afinal naquele castelo nunca alguém morou;
Mas o pobre monstro que nem sabia!
Então, destemido, lá foi entrando
O grande príncipe tão corajoso.
Foi a cada canto espreitando, espreitando;
Sem saber daquele segredo misterioso
Por fim o triste príncipe lá concluiu:
Que não adiantava ter vindo de tão longe além
Pois naquele castelo há muito reinava o vazio
E nunca morou lá ninguém…
Logo o alento do monstro se perdeu
Ao perceber que iria ficar sozinho
Então a chorar o infeliz monstro correu
Até que tropeçou em algo no seu caminho
Era uma boneca, coitada muito feia
Deixada assim abandonada pelo chão;
Ao monstro deixou-lhe uma mão cheia
E aquecido o frio coração…
A pobre boneca que era de trapo
Tinha a boca cozida sempre a sorrir;
E o monstro que estava feito farrapo
Começou logo a rir!
A feia boneca fora então a primeira
Que ao triste monstro sorriu.
Talvez a única realmente verdadeira
Que alguma vez aquele príncipe viu!
Sendo princesa ou não!
Ao certo, é que o monstro ficou feliz.
Pois a boneca que tinha na mão
Amou o príncipe que era de giz…
(Assim foi a história de amor;
Entre o príncipe que era monstro tal
E a linda boneca de trapos sem cor…
Que se amaram pelo que eram afinal!)
Subscrever:
Mensagens (Atom)