01/08/2010

Heterónimos


Eu sou tu… tu és nós… Tu és nada mas nós somos tudo. Juntos, somos simplesmente o que quisermos ser…sem nunca nos comprometermos a ser coisa alguma!
Somos a realidade tua, nossa, sem dor e sem mágoa! …

— O meu nome é Álvaro Campos, o operário.
Este é Ricardo Reis, o frio monarca.

— E eu sou o mestre pastor; Alberto Caeiro!

Unidos somos Fernando António Nogueira Pessoa…
Vários mundos…
Universos inacabáveis…
Uma só loucura!
Eu, tu, ele, nós!
Todos…
Tantos, e afinal apenas um só.
Um só louco no nevoeiro…
Um "Super-Camões".

15/05/2010

Era uma vez um monstro que amou uma boneca de trapos...

Era uma vez um monstro disfarçado. Fingia, o pobre! Que era príncipe encantado… Correu, correu pelo pátio enfeitiçado O feio monstro que estava amaldiçoado. Correu o monstro que era feito de giz Procurando a princesa iluminada. Procurou pensando em ser feliz Ao encontrar a princesa ainda nem desenhada… Passou ele por mundos em segredo Sempre correndo e já desesperando; Até que finalmente subiu a um rochedo E encontrou a esperança que estava faltando. Ficou então o monstro logo muito contente Ao encontrar o grande castelo. “Lá haverá certamente princesa e gente, Para amar este príncipe que é tão belo!” Aos portões do castelo ele parou E bem alto, gritando exclamou: “− Venham ver este príncipe que agora aqui chegou, Tão belo! Mas que nunca ninguém amou...” Mas no castelo o silêncio reinou; Nada, nem ninguém respondia… Afinal naquele castelo nunca alguém morou; Mas o pobre monstro que nem sabia! Então, destemido, lá foi entrando O grande príncipe tão corajoso. Foi a cada canto espreitando, espreitando; Sem saber daquele segredo misterioso Por fim o triste príncipe lá concluiu: Que não adiantava ter vindo de tão longe além Pois naquele castelo há muito reinava o vazio E nunca morou lá ninguém… Logo o alento do monstro se perdeu Ao perceber que iria ficar sozinho Então a chorar o infeliz monstro correu Até que tropeçou em algo no seu caminho Era uma boneca, coitada muito feia Deixada assim abandonada pelo chão; Ao monstro deixou-lhe uma mão cheia E aquecido o frio coração… A pobre boneca que era de trapo Tinha a boca cozida sempre a sorrir; E o monstro que estava feito farrapo Começou logo a rir! A feia boneca fora então a primeira Que ao triste monstro sorriu. Talvez a única realmente verdadeira Que alguma vez aquele príncipe viu! Sendo princesa ou não! Ao certo, é que o monstro ficou feliz. Pois a boneca que tinha na mão Amou o príncipe que era de giz… (Assim foi a história de amor; Entre o príncipe que era monstro tal E a linda boneca de trapos sem cor… Que se amaram pelo que eram afinal!)

03/03/2010

A lágrima que eu já não sei chorar...



Se eu pudesse deixar um segundo
Fazer uma pausa e esconder-me…
Atrás desse meu fato
De corvo sem existência!

Ensina a amar que eu não sei mais
Ensina-me a ser eu
Que eu já não me lembro como era…
Ensina-me a viver;
Que eu perdi o rumo
E já não tenho máscaras onde me esconder…
Ensina-me a gritar
Que o mundo já não me ouve…
E hoje eu sou surdo!
Ensina-me a deixar escorrer no rosto
A lágrima que eu também já não sei chorar…
E ensina-me a sorrir
O doce gosto de abrir uma boca sem dentes;
E brilhar…
Ensina-me a ser feliz
Que eu já não sei fingir a felicidade.
Ensina-me onde fica a realidade
Que eu perdi-a na mesma rua
Onde me perdi a mim mesmo.
Eu já não sei nada,
E nada sei sobre nada!

“Eu só sei que nada sei”
Porque nunca soube saber
Aquilo que devia ter sabido
Para saber aquilo que agora sei!
E ao fim de já nem sei o que escrevi;
Porque afinal eu não sei escrever;
E porque isto não passa de um mero ensinamento;
A precisar de um professor que nem sequer ensina!

I Love you! (um hino aos que amam; porque eu não sei!)

02/03/2010

Carta de Blackbird


A carta… (Blackbird a Tiago)


Idiota!
Achas mesmo que alguém te amará um dia?
Deixa-te de ilusões!
Ficarás sempre só!
A vida inteira,
Dia sobre dia;
Noite sobre noite…
A chuva cairá lentamente
Sobre o teu velho e triste coração.
Como pode um coração vazio
Pesar o mesmo que um mundo?

Será sempre assim,
De cabeça triste e olhar carregado
De mágoa por dentro da camisola
Virás do trabalho para casa;
Da solidão para a solidão;
Da tristeza para mim…
Mas basta!
Estou farto de ser eu a sofrer por ti!
Homem idiota!
(Se é, agora entre nós,
Que te podemos chamar Homem.
Eterna criança tu!
Preso no tempo;
À espera que se mude o futuro…)

Deixa-te de viver no passado
À espera que o futuro mude!
Para poderes ser feliz neste presente
Morreu… acabou!
Nada podes fazer agora…

Vives nesse teu mundo,
Essa essência onde me criaste…
E escreves,
Sobre tudo o que aconteceu na tua vida;
Ou o nada que ela é...

E amor?
Escreves sobre algo que não sabes o que é?
(Esta tenho de aplaudir de pé!
És um génio!
Aquele que sempre te consideraste ser…
Ou louco apenas!
Aquilo que outros viram crescer…)

Deixa-te ilusões,
De imaginar beijos que nunca aconteceram
“Alma com alma” leste num livro.
*(Risos)
Tolo! Idiota!
Isso não passa de imaginação!
De eterna e triste ilusão!
Como essa que tens,
De alguém te amar…
Ninguém te ama e jamais o farão!
Ninguém quer ser visto com um cromo como tu!
(“Cromo” – Lembraste de como te chamam
Aqueles que se riam das tuas piadas?
Eles só se riram de uma única piada tua…
A tua vida! A tua miserável existência!)

Desiste… o amor não existe
Eu sou pura ilusão,
Loucura no teu coração…

Aqui te deixo as minhas palavras…
Para que deixes de fingir.
E perceberes o miserável
Que verdadeiramente és!

Com amor:
Blackbird (o teu único amor…)

Amar-te-ei como desde sempre!

Amar-te-ei como desde sempre…
Amar-te-ei desde o primeiro instante em que te vir.
Desde o primeiro olhar,
A primeira palavra,
O primeiro adeus…

Amar-te-ei em cada encontro,
Como se de mais um desencontro se tratasse.
Irei amar-te em cada chegada,
Como se fosse a última das partidas…

Irei amar-te como sempre amei
(Como sempre o fiz a vida inteira!)
Irei amar cada gesto teu
Como se desde sempre o conhecesse.

Irei amar-te no primeiro olhar,
No primeiro segundo parado do tempo
(Desde sempre o tempo esteve parado,
Parado em mim à tu espera.
À espera que regressasses!)

Irei como sempre te amei
Como sempre imaginei amar-te
Irei sentir a tua cabeça no meu peito…
E no silêncio da escuridão;
Ouvirei o meu coração;
Irei ouvi-lo bater por ti;
Viver por ti!

Amar-te-ei no mundo real!
No meu e em outros mundos!
Serei Pedro e tu, Cinderela…
Serei o Monstro e tu, a Bela…
Serei Romeu e tu, Julieta…

Porque hoje:
“Tu és Pandora e eu, aquele que te procura!”…

01/03/2010

“The man who sold the world”



Conheci um homem que vendeu o mundo…
Já não o queria para nada.
“Já não tem valor!” – dizia.
Vendi-o a um idiota qualquer.
Um daqueles que ainda tem esperanças...”

Ele costumava dizer-me
Que o mundo já nada nos pode dar...

Era um homem solitário esse…
Um dos poucos verdadeiros que existiu.
Eu tive a sorte de ainda o conhecer!
Já o conheci velho.
Ele contava-me histórias;
Histórias de quando era criança.
“Sabes, um dia também eu fui criança!
Tinha as minhas ilusões e os meus sonhos;
As minhas aventuras nos mares da ilusão…
Mas dia por dia brincava cada vez mais sozinho,
Cada vez mais me percebiam menos.
Chegaram a chamar-me louco!”
(E fazia aquele ar esbugalhado de indignação…)

“Loucos eram eles! Dizia-lhes eu…
Loucos por acreditarem no amor,
Por acreditarem no mundo!
Por acharem que ele ainda tinha solução.
O mundo nunca teve solução!”
Dito isto, fazia sempre uma pausa
E pensava… pensava na sua infância.
Na velhice, na importância mínima do tempo…
“Sabes, eu como nunca acreditei no mundo;
Desisti e criei o meu próprio…
Revesti-me de máscaras
E comecei a viver nos dois mundos!
Era assim ao início…
Mas depois comecei a sofrer.
Refugiei-me mais no meu mundo
E deixei o real de parte.
Sabes… O mundo real só nos trás sofrimento!”

Dele guardo a sabedoria;
A sabedoria de alguém muito velho…
Mais velho que mundo, diria eu!
Morreu velho e só…
Morreu sem nunca ninguém saber.
Conheci-o já muito velho;
E no entanto tão jovem…
Deixou-se morrer nele próprio;
Simplesmente desistiu de viver….
Não suportava a ideia de viver num mundo cheio de nada.
Mas no entanto afogou-se no seu próprio mundo!
Por ter espaço a mais…
Eu mesmo lhe cavei a sepultura;
Enterrei-o com as minhas próprias mãos.
Deixei-lhe uma única flor na campa…

Comecei eu a viver por ele,
Mantive secretamente o seu corpo vivo.
E nunca o mundo se apercebeu…

O meu nome é Blackbird…
O velho chamava-se Tiago;
E já tinha vivido demasiado…

Amanhã meu amor…


Amanhã serei a sombra.
A infeliz e imóvel sombra;
Estampada na parede.

Serei a desgraça imponente no teu olhar.
A lágrima seca caída;
Caindo no teu rosto triste.

Amanhã serei a esquecida recordação.
A nua memória perdida voando
Nas ainda brancas folhas
Do velho caderno por estriar.

Amanhã amor.
Serei o teu sorriso triste,
A recordação inapagável na tua mente.
O sentimento triste do teu coração.

Amor em ti amanhã,
Serei o silêncio surdo!
A humidade negra entranhada
Na velha parede branca do quarto.

Amanhã serei um poema por escrever;
A tua velha história de amor;
De que ninguém mais falará.

Amanhã meu amor…
Já depois de me empalarem no caixão
E de a terra me cobrir por completo;
Serei mais uma estrela
Preenchendo um espaço vazio lá no céu.
E depois num silêncio gritado;
Lerás o triste poema que hoje te deixo…

Amanhã meu amor...
Sozinha junto ao monte de terra frio
Deixarás uma flor;
A pequena e já velha rosa branca
Que trouxeste envolvida no cabelo.
Dirás pela última vez: “Eu amo-te…”;
Então chorando e sorrindo partirás
E não mais voltarás a esse lugar
Onde deixaste apagado o teu amor.

“O teu amor apagado…”
Serei em ti amanhã.
Mas isso será amanhã!
Porque hoje amor…
Hoje nem eu sei quem sou…

Eterna procura...


Serás eterna procura…
Perpetua triste ilusão
Para o veneno cura;
Como amor é para a solidão!

Serás sempre assim…
Memória vaga desfocada.
O doce silêncio do fim;
“A eterna balada!”

Minha sempre em sonho imaginado!
Em mil rostos disfarçada;
Eu, teu príncipe amado.
Nesta nossa história inventada!

Serás sempre a amada minha.
Poeta de mil ilusões,
O rosto dos sonhos que eu tinha;
Na alegre infância de assombrações…

Procurar por ti meu amor
A minha demanda infinita sempre será
Correr, correr sem te encontrar;
Por mil mundos que não o meu…

Agoniante será então a dor…
Porque no espelho se verá
O ansiado amor do meu sonhar;
Sendo sempre apenas eu!

03/02/2010

Amanhã deixarei uma rosa sobre teu peito!



A manhã deixarei uma rosa sobre teu peito!


Amanhã passarei ao pé de ti,
E deixarei uma rosa branca no teu peito…

Amanhã triste, triste caminharei até ti!
Deixarei o tempo parado sobre o relógio velho
Guardarei as fotografias na gaveta,
Usarei o perfume que me deste
(A existência, a existência!)
Irei vestir a camisola preta
Que deixei guardada por ti.

Irei a sorrir para junto de ti
De olhar turvo em lágrimas…
Na minha mão ferida e em sangue trarei uma rosa,
A rosa será branca como a esperança…
A que foste no dia em que me deste os teus lábios
Em que apertas-te contra o teu peito a minha mão
Em que me olhaste nos olhos e me disseste:
“Infinito seja o tempo neste dia;
Infinito como o amor que hoje te dou…”

Irei de encontro ao teu corpo por ti!
Irei e caminharei ao teu lado…
Suspiro de aragens,
Vento do abanar das folhas
Sombra sem razão de existir…
E a rosa em minha mão
Baterá a cada passo nosso
Como um coração…

E então com meus olhos eu verei a eterna verdade
Teu corpo pálido sobre a pedra fria jazendo
Então ficarei também eu frio novamente,
Como o era antes de ti!
Então nu de mim novamente,
Deixarei sobre teu peito a rosa branca;
Ou a esperança que tinhas e eras em mim…

O vento (ou o teu sussurro)
Pouco a pouco,
Triste tristemente cada pétala levará…
E então o bater batendo cessará…
E o vento, lenta lentamente me trespassará…
Do céu a chuva caindo cairá
E então para o céu olharás…
E minha alma em paz descansará…

01/02/2010

Hoje morreu um poeta!

Hoje morreu um poeta!
Mais um…
O óbito sucedeu-se pelas cinco horas e vinte e cinco minutos da manhã da passada sexta-feira. O poeta entrou nas urgências do hospital Das Dores por volta da uma da manhã, segundo os testemunhos prestados pelas pessoas que se encontravam no local na altura em que este entrou.
Também segundo as mesmas testemunhas, conseguimos saber que o dito poeta não apresentava qualquer sintoma de uma possível doença grave; segundo os mesmos, este entrou pelo seu próprio pé nas urgências e dirigiu-se ao balcão da recepção. Tentámos obter o depoimento da recepcionista presente na altura, mas esta não quis fazer qualquer tipo de declaração.

“Perguntei-lhe se estava bem. Ao qual eu respondeu afirmando que tudo se encontrava bem. Falou numa voz calma e serena; a única coisa que notei estranha nele foi o olhar. Parecia meio distante e triste. Ainda insisti e disse-lhe que tinha um olhar muito triste, Ele respondeu que era poeta, e então eu percebi tudo e não insisti mais...” Este foi o depoimento de uma testemunha que chegou a falar com o poeta antes de este entrar nos cuidados intensivos do hospital, onde permaneceu cerca de uma hora e trinta minutos.
Segundo o que conseguimos apurar através de um comunicado pela parte da direcção do hospital o poeta morreu devido a razões desconhecidas. Pedimos esclarecimentos ao médico que acompanhou o caso e este afirmou o seguinte: “Não sabemos ao certo de que é que morreu o poeta. Depois de termos levado o escritor para a sala de cuidados intensivos, através de exames conseguimos descobrir que este sofria de solidão tipo C. Sendo a mais grave das solidões, levámos imediatamente o paciente para a sala de operações para ser submetido a cirurgia de quadras, mas já sem sucesso. Ainda o ligámos à máquina de escrita assistida e mantivemo-lo durante toda a operação a soro de sonhos; mas mesmo assim não obtivemos qualquer melhora. Resultando no triste óbito do trovador…”
Já depois de confirmado o óbito, na morgue ainda foi detectado na garganta do escritor, cancro do esquecimento num estado bastante já bastante avançado, que poderá ter sido, também, a causa da sua morte. Tendo acesso aos exames do poeta, generosamente fornecidos para investigação pelo hospital, conseguimos averiguar que o poeta detinha ainda no sangue ilusões; e que estas o impediam de presenciar e viver o real.

A Direcção do hospital numa comunicação oficial à impressa exclamou o seguinte: “Hoje morreu mais um poeta! Infelizmente foi neste nosso já de si triste país. Pedimos a todos os leitores de livros que demonstrem o seu luto neste dia em que morreu este poeta!”
E assim foi hoje de manhã, em Lisboa, cidade deste e outros poetas, as pessoas saíram para a rua de negro e tristes…

Apenas uma pessoa estava de luto, vestia branco e andava feliz…
O verdadeiro e único leitor do poeta!

Já fui em outros tempos Fernando Pessoa…




Já fui em outros tempos,
Outras vidas;
Outros rostos;
Outros espaços…
Já fui milhares de eu’s!

Já fui Fernado Pessoa;
Com uma só razão.
E Edgar Poe;
E escrevi o corvo com uma só solidão.
Acho que já fui Luís de Camões;
E escrevi Lusiadas com um só olho de visão...

Hoje não sou ninguém!
Só em então descobri finalmente;
Que nunca cheguei a ser eu próprio!...

Suicídio Cobarde

É tempo de ir.
De deixar os mundos…
Deixar para trás um legado;
Uma lágrima no rosto de alguém.
Um eterno pedido de desculpa…

A noite é presságio
O dia é inexistente luz…
O vago é mais um espaço feito de tudo…
Cheio de nada!
Assim me rodeei do mundo;
De métricas e espaços concretos;
De alquimias e sonhos sem rosto;
Eternas descobertas num simples gesto.
O sorriso que por vezes faltava!
A eterna pequena palavra
De grande significado:
Amor!

Procurar-te-ei em outros tempos
Em outros espaços
Em outras ciências
Em outras descobertas e outros gestos
Em outros eu’s nos mesmos sonhos de rosto apagado.
Ontem fui o eu de ontem;
Hoje sou o eu de hoje;
Amanhã serei o eu de depois;
E então serei o eu de sempre,
De todos os dias!
Eu.

Hoje és sonho
Amanhã de sonho não passarás!

Os anos passarão!
O pó virá cobrir o tempo,
Silenciosamente entre preces proferido,
(Quem as proferirá a quem? Para quem?)
Será segredo!
Apenas as paredes da surdez o ouvirão…
Ouvirão o silêncio!
O rosto apagado de alguém sem eu!

O suicídio assim se fez;
Proferido em silêncio a uma alquimia sem sonho.
O segredo de um rosto apagado
Sem espaço e sem tempo…
Morto!
Morto pela palavra de um simples gesto de amor
O pó dos mundos.
O pó do olhar da questão
(Qual é o sentido de viver?)
Assim se calou.
No silêncio
Na métrica sem rosto dessa Alquimia de significados.
(Alquimia do sonho perdido!
Dirão os estudiosos do cadáver.)

Procurar-te-ei sempre…
No eu de ontem
No de hoje,
No eu de sempre…
Mas tu só virás amanhã!
Apenas amanhã!
Descobrir o meu rosto apagado.

O meu rosto de um suicídio cobarde…

05/01/2010

Roubarei o tempo por ti...

Trarei em mim o tempo roubado,
Para que fiquemos eternamente presos neste momento...

03/01/2010

Pai

Ainda hoje quero o teu perdão!
Passaram apenas tres anos
Mas foi uma eternidade...
Jamais te esqueço!
Desculpa os erros que cometi
os que cometo
e os que cometerei
Sempre me orgulhei de ti
Mas nunca to disse verdadeiramente.
Amo-te


Porque só damos o valor às pessoas quando não as temos?!

02/01/2010

Infância em olhos azuis

Esperar-te-ei a vida inteira
Para te ter apenas um segundo!...

Onde quer que estejas...
Trás contigo o meu coração,
Maria;
Primeira e eterna unica!

Todas iguais a ti! Nenhuma parecida contigo!
Aparece agora,
Ou será tarde demais!

"A TERCEIRA ROSA"


1

(Os anos passarão. Os canteiros hão-de gerar um outro buxo. Outros pássaros virão cantar nos ramos altos do pinheiro manso e dos plátanos. A tia morrerá. E a casa e o jardim, a própria vila, suas rotinas, seus ritmos e seus ecos. Não ficará senão a tua voz na tarde calma. Olá, disseste. E a terra começou a tremer.)

Manuel Alegre in "A TERCEIRA ROSA"

Inverno do mundo!



Lá fora está frio!
Está frio lá fora
E há o mundo!

Cá dentro?
Cá dentro não está calor nem frio
Cá dentro tudo é tão incompleto
Nada existe e nada se deixa existir
Cá dentro está o vazio…
É lá fora?
É lá fora que existe o mundo
Existe o amor e o sonho e o frio
Pois cá dentro é rei;
Senhor! O vazio!
É juiz é carrasco
E reina a sua lei.

Lá fora está o mundo!
Estão os olhares o julgamento e a vergonha!
Aqui;
Tudo é incerto
Aqui não há mundo;
Há Universo!
Aqui há o princípio!
E há o fim!
O princípio do fim…
Talvez apenas um vasto deserto
Onde as areias do tempo
Absorvem o já imerso;
Ser que houve em mim…

E eu?
Onde estou eu?...

01/01/2010

O Rapto...

“Tenho medo do mundo…” Disseste-me um dia… Agora finalmente compreendo e também eu tenho medo. Medo do mundo, medo de te ter perdido para o mundo, medo de me ter perdido no mundo, ou de ter perdido o meu mundo…
Sempre foi esse o teu medo. Medo que o mundo fosse em ti e que não tu a ser o mundo. Porque, tu sempre foste um mundo inteiro! Um mundo estranho e desconhecido… Um mundo em que eu me perdia e me reencontrava, em que eu adormecia e acordava, em que eu era e não era; em que eu era muitos e não era nenhum…
Sempre foste a minha Alquimia, a minha Pedra filosofal. Esse mistério profundo e ancestral… Essa vida da morte… Esse sentido sem rumo. És o mistério dos meus mistérios… O medo dos meus medos…
Sempre foste estranha para mim. A minha estranha familiaridade.
Eras tu, como eras, depois eras outra pessoa… Estavas e já não estavas. Eras e já não eras…Ora me amavas, ora me desprezavas. E Era isso que me prendia a ti, Um mistério num mistério… Um medo feito de medo.
Agora que te perdi já nem sei quem sou … Já nem sei nada, já não temo nada, já não sou nada… Agora já nem sei se tu ainda és quem eras, ou o que eras… Não sei onde estás. Desapareceste assim sem dizer nada, de um momento para o outro. Sem um gesto ou palavra de despedida
Sei que estás por ai algures. Perdida, talvez… Perdida no mundo ou perdida em ti mesma. Se calhar foi o mundo. O mundo raptou-te! Agora és igual. Igual ao mundo que sempre temeste…
Às vezes vejo-te na rua, mas tu já não és tu! Vejo-te a passar, com esses teus novos amigos desse teu novo mundo… Desse “mundo igual”. Igual ao mundo que temias! Talvez tenhas sido sempre assim… Talvez tenhas sido sempre apenas uma. Uma igual a ti mesma. Uma só e apenas…
Essas muitas tu, não passaram de imaginações minhas para nunca ver realmente quem eras, ou no que te estavas a tornar. Se calhar foste sempre assim e para mim ao mesmo tempo diferente…
“Tenho medo do mundo…abraça-me. Protege-me!” Talvez nunca quisesses que eu te protegesse do mundo… Talvez nunca quisesses que eu te abraçasse realmente. Talvez nunca tenhas tido medo do mundo! Tinhas era medo de ti mesma, medo daquilo que sabias que eras. Querias que eu te prendesse e não te deixasse escapar, não que te abraçasse. Querias que te protegesse de ti mesma, daquilo que sabias que verdadeiramente eras.
Não era o mundo que temias… Temias-te a ti mesma!
Querias-me porque sabias que comigo serias todas menos tu! Comigo eras diferente, não eras essa que sempre foste, eras outras diferentes! Eras todas menos tu…
Era por isso que me amavas… Sempre portei essa ignorância que querias. Esse meu ver do bem no mal… Agora que o mundo te raptou e a ele pertences, já não precisas de mim… Já podes ser tu mesma… aquela que sempre fostes… Tu!
O mundo raptou-te, e contigo foi o meu mundo… o meu medo… todo esse mistério! És e sempre serás o meu mistério, o meu medo… o meu mundo… e sem ti já nada sou…

O mundo raptou-te e eu tudo sou!
Tudo… menos o mundo!...

“ – É dos poetas!”



“ – É dos poetas!”
Dizem…
“ – É dos poetas!”
E não é a imaginação…
“ – É dos poetas!”
Está-lhes nos coração,
E é solidão!

“ – É dos poetas!”
Dizem…
Por mais que fuja e se esconda;
Por mais que percorra o espaço
E engane o tempo,
Por mais que se rodei do mundo;
O poeta será sempre só!
Uma alma errante vagueando…
Procurando algo…
Inexistente talvez…
A felicidade?

“ – É dos poetas!”
Dizem…
É dos poetas e não é o mundo!
Não é dos poetas nem será de ninguém
Porque o mundo não é de ninguém
E é dos poetas!
Mas não o mundo real,
Porque esse não é de ninguém;
Mas o mundo do poeta…
O mundo que ele gira
E cria em torno de si mesmo,
E onde se inventa e reinventa
Em milhares de eu’s…
Nunca sendo verdadeiramente seu dono.

“ – É dos poetas!”
Dizem…
“ – Deve ser doença…
… Algum vírus que por aí anda!
Como esses que se apanham nas esquinas
Ou nos cafés das ruas escuras de Lisboa,”
“ – Tem cuidado com essa cadeira!
Ontem esteve aí sentado um poeta a escrever…
Tens de ter cuidado ou ainda ficas como um deles!
Dizendo coisas ao ar,
Olhando as nuvens…
…Ou pior!
Ainda te pões a dar significado às coisas!...”

“ – É dos poetas!”
Dizem…
A mania de inventar palavras;
De dar um sentido a tudo!
De encontrar uma métrica qualquer,
Que traduza todas as situações…
Que mania essa dos poetas
De se acharem capazes de tudo!
Dizem-se inventores?!
“ – Os grandes inventores para mim,
São os das Igrejas!”
(“ – Sabes, diz-se por aí
Que os poetas vieram de fora,
De um país qualquer lá do estrangeiro…”)

“ – É dos poetas!”
Dizem…
A escuridão,
O silêncio,
A Solidão,
O oculto,
O vazio,
O pensamento,
As palavra,
O coração…
…A morte!
(“Bem essa é de todos!”)

“ – É dos poetas!”
Não dizem…
Mas sabem…
“ – É dos poetas!”

“ – É dos poetas o esquecimento!”